Quando era pequeno
estava sempre triste,
e o meu pai dizia,
olhando-me e meneando
a cabeça: meu filho
não serves para nada.
com pão, até logos,
mas acompanhado
pela tristeza. O professor
grasnou: menininho
não serves para nada.
a morte – vi-a –
a quando acabou
e toda a gente a esqueceu,
continuei, triste, a ouvir:
não serves para nada.
as largas calças,
a tristeza de imediato
tratou de mudá-las.
Meus amigos disseram:
não serves para nada.
odiando e aprendendo
a injustiça e as suas leis,
perseguia-me sempre
a triste cantilena:
não serves para nada.
fui caindo pelos degraus
da vida. E um dia
a miúda que eu amo
disse-me, de modo alegre:
não serves para nada.
limpo e bem penteado.
Temos uma filha,
a quem, por vezes, digo,
também com alegria:
não serves para nada.
josé agustin
goytisolo
iluminação do eu
antologia de poesia hispano-americana
tradução de daniel ferreira
contracapa
2021
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