29 novembro 2024

jean genet / o condenado à morte




 

                                                          a Maurice Pilorge, assassino de vinte anos
 
 
O vento que rola um coração no pátio dos recreios, um anjo que soluça preso numa árvore, o pilar de céu que o mármore retorce, abrem portas de emergência à minha noite.
 
Um pobre pássaro que agoniza e o travo da cinza, a memória de um olho adormecido na parede e este doloroso punho que ameaça o firmamento, descem-me o teu rosto à palma da mão.
 
Mais duro e leve que uma máscara, o teu rosto tem na minha mão mais peso do que a jóia em dedos de um receptador quando a mete ao bolso; está afogado em pranto. É sombrio e feroz, coberto por um elmo de folhagem verde.
 
Tens o rosto severo: és um pastor grego. Sempre a fremir dentro das mãos que fechei. Com uma boca de morta onde os olhos são rosas e no nariz há o bico, talvez, de um arcanjo.
 
O gelo cintilante de um pudor maldoso que polvilhava o teu cabelo com um aço de astros claros, e te coroava a testa de espinheiros do canavial, que mal sagrado sabe desfazê-lo se o teu rosto canta?
 
Diz-me que desgosto doido te faz explodir nos olhos esse desespero tão forte que uma dor bravia e desvairada aparece, apesar do gelo que choras, a enfeitar-te a boca redonda com um sorriso de luto?
 
Esta noite não cantes aos “Latagões da Lua”. Mais vale, ó garoto de ouro, seres princesa pensativa de uma torre, a sonhar com o nosso pobre amor; ou aquele grumete loiro que vigia no cesto da gávea,
 
Que à noite, entre marinheiros em cabelo caídos de joelhos, desce para cantar na ponte a “Ave Maris Stella”; todos a agarrar no membro que salta, já, em mãos de larápio.
 
 (...)
 
 
 
jean genet
o condenado à morte
genet, seguido de o condenado à morte
de jean genet
yukio mishima
trad. de aníbal fernandes
hiena editora
1986





 

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