25 junho 2024

rené char / os primeiros instantes

 
 
 
Víamos correr diante de nós a água que aumentava. Apagava de repente a montanha, expelindo-se dos seus flancos maternais. Não era uma torrente que se oferecia ao seu destino, mas um animal inefável, em cuja palavra e substância nos tornávamos. Retinha-nos apaixonados sob o arco todo-poderoso da sua imaginação. Que intervenção teria podido constranger-nos? Já não se fazia sentir a exiguidade quotidiana, o sangue derramado fora restituído ao seu calor. Adoptados pelo espaço aberto, desbastados até ao invisível, éramos uma vitória que jamais teria fim.
 
 
 
         
rené char
a fonte narrativa (1947)
furor e mistério
trad. margarida vale de gato
relógio d’ água
2000




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