24 fevereiro 2024

irene lisboa / sobre as palavras

 
 
 
SOBRE as palavras, sua importância e oportunidade, seu valor, bastas vezes me tenho detido.
 
No próprio acto de escrever (como as palavras, afinal, é que o permitem) esta reflexão de acode e me peia tanta vez: a linguagem antecede ou sucede o pensamento? que parte faz dele?
 
Nem a mim própria me pareça tola a minha pergunta!
 
A linguagem aflui-nos, ou vem-nos num certo encadeamento mental em que nos envolvemos, em que penetramos, como um surto natural, mais ou menos fácil, do espírito. (Lembremo-nos dos faladores solitários, faladores sem ouvintes.) E assim, sobre uma rápida, esporádica ou fugidia ideia, qualquer ideia ou sensação – tão difícil é desembaraçar estas daquelas! – as palavras entram num jogo de certa independência, mudas ou articuladas, ou até mesmo gesticuladas e vagas, sobrepondo-se à tal coisa (ideia ou sensação), perseguindo-a e fugindo-lhe e enredando-se nela… confundindo-se e dilatando-se à custa dela, a ponto de a afogarem, não poucas vezes… de a excederem!
 
É que as palavras têm espírito e vida por si próprias. O que tão bem se patenteia musical e sentimentalmente no verso. Um espírito que arrasta e sujeita os seus forçados manejadores, mau grado o desejo de supremacia e de domínio da parte destes.
 
Mercê das palavras usadas se salta de um para outro lado… Chegando nós a tornar-nos confusos e prolixos, pouco substanciosos, acorrentados àquele tal sortilégio.
 
Mas é amor o que as palavras em nós despertam! Um gosto de as seguir, de as explorar e até de as esperar pacientemente para que qualquer coisa interior, nossa, saia do seu limbo.
 
E não serão elas próprias que a criam, frequentemente?
 
 
 
irene lisboa
da estrela
solidão II
portugália editora
1966
 




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