26 janeiro 2024

adam zagajewski / as tardes infindáveis

 
 
Eram essas, as tardes infindáveis, em que a poesia me abandonava.
O rio corria dolentemente, empurrando barcos preguiçosos para o mar.
Eram essas, as tardes infindáveis, a costa de marfim.
As sombras jaziam nas ruas, as vitrinas exibiam altivos manequins,
que me olhavam, com ar de desafio e ousadia.
 
Dos liceus saíam professores de rostos vazios,
como se Homero os tivesse derrotado, humilhado, morto.
Os vespertinos traziam notícias inquietantes,
mas nada mudava, ninguém se apressava.
Nas janelas não havia ninguém, tu própria não estavas lá,
até as freiras pareciam ter vergonha da sua vida.
 
Eram essas, as tardes infindáveis em que a poesia se desvanecia
e ficava sozinho com o demónio opaco da cidade
como um pobre viajante, de pé, em frente à Gare du Nord
com uma mala demasiado pesada, atada com uma corda,
sobre a qual caía a chuva, a chuva preta de Setembro.
 
Oh, diz-me como me curar da ironia, do olhar
que vê mas não trespassa; diz-me como me curar
de estar calado.
 
 
 
adam zagajewski
sombras de sombras
trad. marco bruno
tinta-da-china
2017




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