07 outubro 2023

ted hughes / a máquina

 
 
 
A escuridão devorava-te. E o medo
de seres esmagada. «Uma enorme máquina escura»,
«a mó trituradora e indiferente das circunstâncias». Depois
de olhares o poente alaranjado, foram estas as palavras
que escreveste numa folha. Tinham vindo ter contigo
e eu não. Quando tentaste
fazer-me subir até ao cimo da escada, foi esse terror
que chegou em vez de mim. Enquanto
eu estava, se calhar, sentado com o Lucas, sem outro propósito
do que de cuidar do cão
que não tinha. Um cão a sério
talvez tivesse fitado o vazio,
com os pêlos arrepiados
enquanto a máscara grotesca do teu Mãe-Pai,
metade pedreira, metade hospital, mas no seu toso
de uma força irresistível, cheia dos teus poemas por escrever,
vinha até mim, invisível sem um murmúrio
por entre os imóveis salgueiros,
através da parede do The Anchor,
onde eu esvaziava a minha Guinness de um só trago
sorvendo-me obscuramente
para o interior do outro mundo
onde encontraria a minha casa. Os meus filhos. E a minha vida
sempre a tentar subir os degraus agora de pedra
em direcção à porta agora vermelha
que tu, no teu jeito habitual, abririas
ainda com tempo para falar.
 
 
 
ted hughes
cartas de aniversário
trad. de manuel dias
relógio d´água
2000
 




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