21 outubro 2023

manuel cintra / rotação

 




 

 
I
 
 
                                                    (e vou-me embora com ar de borboleta triste,
                                                     depois da chuva, e volto mais tarde de peito
                                                     cheio de rosas.)
 
 
 
E olho para o espelho e faço a barba e coloco em cima do bordo do lava-loiça um pouco do cansaço e abro o peito à noite e tu passas de uma sala para a outra e mostras, em certos gestos, que te vais deitar, e arranco ao fechar de porta da cozinha um pouco da dor às costas, e estou feito cerimónia como um braço aberto que te tape a barriga e acabe enterrado no calor das nádegas, e vou buscar um copo de água, e arranco ao descer da persiana uma dentada no tempo, e chamo sobre nós a calma do céu, e deito-me ao teu lado também desta vez é de noite é de poucas horas é tão longa.
 
 
 
manuel cintra
do lado de dentro
editorial presença
1981
 


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