10 setembro 2022

vergílio ferreira / a memória

 
 
172 – A memória. Ela é quase sempre uma recuperação de imagens imóveis. Porque relembrar o movimento exige um esforço de deliberação. E a memória simplesmente aparece. Mas são imagens que se marcam ou douram de um envolvimento que as transfigura. Um halo, uma ténue neblina. E tudo isso inserido numa certa estação do ano, num certo momento do dia ou da noite. São imagens que se repetem na evocação de certos lugares como se os condensassem e nelas se resumisse ou aglomerasse a vida toda aí vivida. Uma hora de neve, de um gelo na face ao caminhar por uma rua com os beirais das casas pingando a água do degelo. Uma certa hora de Outono com esguios castanheiros a desfolharem-se. Uma certa noite de Varão com uma grande lua a nascer. Um passeio pelo campo com flores silvestres que talvez ninguém mais veja. Memória de uma vida tão cheia do seu nada nesse breve instante que a resume toda. O melhor de si. Esse nada de si.



vergílio ferreira
escrever
edição de helder godinho
bertrand editora
2001




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