11 julho 2022

louise glück / a janela aberta

 
 
Um velho escritor ganhara o hábito de escrever a palavra FIM num papel antes de começar as suas histórias, posto o que juntava uma resma de folhas, normalmente fina no Inverno quando a luz do dia era breve, e espessa, por comparação, no Verão quando o seu pensamento se tornava outra vez solto e associativo, expansivo como o pensamento de um jovem. Independentemente da quantidade, colocava essas folhas em branco sobre a última, escondendo-a de tal forma. Só então é que lhe vinha a história, casta e refinada no Inverno, mais livre no Verão. Com este método tornara-se um mestre reconhecido.
 
Trabalhava de preferência numa divisão sem relógios, confiando na luz para lhe dizer quando terminava o dia. No Verão, gostava da janela aberta. Então como é que, no Verão, o vento de Inverno entrava nessa assoalhada? Pois é, gritou ele ao vento, é isto que me tem faltado, esta determinação e rispidez, esta surpresa – Oh, se o pudesse fazer, seria um deus! E deitou-se no chão frio do escritório, a ver o vento voltar os papéis, a misturar o escrito e o que estava por escrever, entre eles o fim.
 
 
 
louise glück
noite virtuosa e fiel
tradução de margarida vale de gato
relógio d´água
2021



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