24 junho 2022

yorgos seferis / as fogueiras de s. joão

 
 
IV
O nosso destino, chumbo fundido, não pode mudar
nada pode fazer-se.
Deitaram o chumbo fundido na água debaixo das estrelas e
          as fogueiras podem arder.
 
Se ficares nua diante do espelho à meia-noite
          vês
vês o homem passar no fundo do espelho
o homem dentro do teu destino que governa o
          teu corpo,
dentro da solidão e do silêncio o homem
da solidão e do silêncio
e as fogueiras podem arder.
 
À hora em que findou o dia e não começou outro
à hora em que se cortou o tempo
aquele que desde agora e antes do princípio governava
          o teu corpo
tens de encontra-lo
tens de procura-lo para que pelo menos
outro alguém o encontre, quando tiveres morrido.
 
São as crianças que acendem as fogueiras e gritam
          diante das labaredas dentro da noite quente
 
          (Houve acaso alguma fogueira que não fosse acesa
          por uma criança, ó Heróstrato)
e deitam sal dentro das chamas para que crepitem
          (Como olham estranhamente as casas de súbito para nós,
          cadinhos das pessoas, quando as afagar
          um reflexo).
 
Mas tu que conheceste a graça da pedra no rochedo
          batido pelo mar
o entardecer em que a serenidade caiu
ouviste de longe a humana voz da solidão
          e do silêncio
dentro do teu corpo
aquela noite de S. João
quando se apagaram todas as fogueiras
e estudaste a cinza debaixo das estrelas.
 
                                                Londres, Julho 1932
 
 
 
yorgos seferis
caderno de exercícios
poemas escolhidos
trad. de joaquim manuel magalhães e nikos pratisinis
relógio d´água
1993
 




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