12 junho 2022

paulo teixeira / «pátria»

 
 
À meia-noite acontecia a passagem do Equador.
A uma pergunta minha, a mãe apontava para o alto,
para onde iam os balões, cativos
de mão nenhuma, na esteira do luar.
 
Procurava no céu, o meu tecto de serviço,
o barbante, o laço de que o mundo seria
como que o presente de aniversário
por entre os falsos pendentes do céu.
 
Com a manhã desabotoando sobre nós
a sua mantilha e o topete das ondas
subindo até à coberta a manchar-me a camisa,
o Equador seria os pares arejando no salão
 
de baile os trajes de gala e a música
por que escorregara a caminho do sono.
Um rito de passagem só para adultos
enfileirando na excursão ao Ultramar:
 
o transmontano que sonha, palitando
os dentes, ser rei de castelos no Niassa
e o mancebo que vai empacotado para a guerra
vivem, enquanto o altifalante ecoa
 
o estertor de «Angola é Nossa»,
uma demissão de tudo até à vista de terra.
 
 
 
paulo teixeira
autobiografia cautelar
gótica
2001




 

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