25 maio 2022

antónio domingues / primeira imperial

 

  

Na Cervejaria
um senhor de óculos sem culpa
cabeleira densa e culpada de ir
até às sobrancelhas ligadas
e principais culpadas
da sua estúpida presença
 
Cara de carnes caídas
a fazerem-no menos novo
do que um queixo entre enérgico e ovo
denuncia
 
Na Cervejaria
dizia
um senhor e sua mulher de azul e mise exactamente
no momento em que leve
ágil
animal
pisa o chão duro e frio do salão
um valente Rodolfo Valentino conhecido
do casal
 
Alarga-se o sorriso de gambas róseas
na boca do senhor
um adeusar de sua mão papuda
em louvor
do amigo Rodolfo
 
Ela de faces em rosácea e alva dentadura
logo revelada
fica enlevada
mas honesta na Cervejaria pensa:
– Meu marido dá-me todo o conforto do lar
dá-me gambas ao jantar
e mais logo dá-me quatro horas de Bem-Hur na plateia
onde a moda nova oferece as minhas pernas
às vistas desarmadas
dá-me futuro
recheio no seguro e o Rodolfo
só me daria aquilo com que sonhei durante
tanto tempo
 
amor, amor, amor apenas
 
 
 
antónio domingues
surrealismo abjeccionismo
antologia selecionada
por mário cesariny de vasconcelos
edições salamandra
1992



 

 

 


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