04 abril 2022

rui diniz / no sul

 
 
No inverno, em Sines, eu podia compor, na solidão
da casa, um súbito esquecimento. Falava de
antónia, lendo os poemas de eugénio e compondo
nos olhos de um castanho nocturno o ágil brilho
do amor. Por vezes ela recordava. Mas eu, a pouco e
pouco, fui até perdendo o significado de muitas das
palavras e simplifiquei assim toda a minha vida.
 
Eu passava agora tardes numa praia afastada, con-
templando o mar cuja áspera agitação
me surpreendia algumas vezes. Bebia à tarde, cansado
dos violentos sepulcros esboçados pelo crepúsculo.
E havia alturas em que ouvia um disco de vivaldi,
um adágio de ellington.
 
 
 
rui diniz
ossos de sépia
noemas
língua morta
2022




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