24 abril 2022

luiza neto jorge / introdução ao tempo

 
 
I
 
Façamos greve de tempo
 
De pulmões castos não respiremos
As folhas trágicas veias
podem cair
Fechemos os olhos dentro
 
Silente na rocha amarga
o sulco humilde de nós
 
 
II
 
quando o sonho for granito
quando o mar em cinza desvendar
as plumas inúteis das gaivotas
quando a espuma depuser velas
longínquas sobre a areia
e das pontes cair o derradeiro homem
 
quando as papoilas tiverem searas
as janelas absortas mortalhas de luz
 
quando nós formos outrora
quando o luto marcar ancas verdadeiras
 
 
                III
 
                Porque ficou oceânico
                o escasso momento de nós?
 
                Escorríamos pelas mãos
                insatisfeitas e límpidas
                nascentes
                no ar um tempo frustre
                a sequência dos sons
                perdidos nos degraus
 
                Simples é a dor
                e nós, nascidos
 
 
 
luiza  neto jorge
a noite vertebrada
poesia
assírio & alvim
1993




 

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