04 dezembro 2021

franz kafka / diários

 
 
1913, 20 de dezembro
 
 
Nenhuma carta.
 
O efeito de um rosto pacífico, de um discurso calmo, especialmente quando realizado por uma pessoa desconhecida que ainda não observámos. A voz de Deus vinda de uma boca humana.
 
Um velho andava pelas ruas no nevoeiro numa noite de Inverno. Fazia um frio de gelar. As ruas estavam desertas. Ninguém passou perto dele, só de vez em quando é que ele via à distância, meio escondido no nevoeiro, um polícia alto ou uma mulher com peles ou xailes. Não havia nada que o perturbasse, ele apenas queria visitar um amigo a casa de quem não ia há muito tempo e que tinha acabado de lhe mandar uma criada para o convidar a ir lá.
 
Passava muito da meia-noite quando soou um bater leve na porta do comerciante Messner. Não foi necessário acordá-lo, ele só adormeceu pela manhã, e até essa altura ele costumava ficar deitado na cama de barriga para baixo, com a cara enfiada na almofada, os braços em arco e as mãos postas sobre a cabeça. Ele tinha ouvido logo a pancadas na porta. «Quem é?», perguntou. Um murmúrio indistinto, mais leve do que as pancadas, foi a resposta. «A porta está aberta», disse ele e acendeu a luz eléctrica. Uma mulher delicada, pequena, envolta num grande xaile cinzento, entrou no quarto.



franz kafka
diários (1910-1923)
trad. maria adélia silva melo
difel
1986




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