29 dezembro 2021

adília lopes / os namorados pobres

 
 
 
O namorado dá
flores murchas
à namorada
e a namorada come as flores
porque tem fome
 
Não trocam cartas
nem retratos nem anéis
porque são pobres
 
Mas um dia
têm muito medo
de se esquecerem
um do outro
então apanham
um cordel
do chão
cortam o cordel
com os dentes
e trocam alianças
feitas de cordel
 
Não podem
combinar encontros
porque não têm
número de telefone
nem morada
assim encontram-se
por acaso
e têm medo
de não se voltarem
a encontrar
 
O acaso
não os favorece
 
Decidem nunca sair
do mesmo sítio
e ficarem sempre juntos
para não se perderem
um do outro
 
Procuram um sítio
mas todos os sítios
têm dono
ou mudam de nome
 
Então retiram
dos dedos
os anéis de cordel
atam um anel
ao outro
e enforcam-se
 
Mas a namorada
tem de esperar
pelo namorado
porque o cordel
só dá para um
de cada vez
 
O namorado
descansa à sombra
da figueira
e a namorada
baloiça
na figueira
 
O dono da figueira
zanga-se
com os namorados pobres
porque julga
que estão a roubar figos
e a andar de baloiço
 
 
 
adilia lopes
dobra
poesia reunida
os namorados pobres (2009)
assírio & alvim
2021




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