20 agosto 2021

pier paolo pasolini / who is me, poeta das cinzas





Sou alguém
que nasceu numa cidade cheia de pórticos em 1922.
Tenho, portanto, quarenta e quatro anos, que carrego <muito>
                                                                                    [bem
(apesar de ainda ontem dois ou três soldados numa matazinha
                                                                              [de putas
me terem dado vinte e quatro – pobres rapazes
que tomaram por menino um seu coetâneo);
o meu pai morreu em ’59,
a minha mãe está viva.
Ainda choro de cada vez que penso
no meu irmão Guido,
camarada morto por outros camaradas, comunistas
(era do Partido da Ação, mas a conselho meu:
ele começara a Resistência como comunista),
nos montes malditos de uma clareira
raiana, com pequenas colinas cinza e desalentadas encostas
                                                                     [pré-alpinas.
Quanto à poesia, comecei aos sete anos:
Mas não fui precoce senão na vontade.
Fui um “poeta de sete anos” –
como Rimbaud – mas só na vida.
Agora, num lugar entre o mar e a montanha,
onde rebentam grandes temporais, de Inverno chove muito,
em fevereiro veem-se as montanhas claras como o vidro,
logo a seguir aos ramos despidos, e depois nascem as prímulas
                                                                             [nas valas
inodoras, e no Verão as hortas, pequenas, de milho,
alternadas com aqueles verdejares da alfafa,
desenham-se contra o céu esfumado
como uma paisagem misteriosamente oriental –
agora, naquele lugar,
há uma arca cheia de manuscritos de um entre tantos meninos
                                                                               [poetas.
 
 
[…]
 
 
pier paolo pasolini
who is me
poeta das cinzas
trad. de ana isabel soares
barco bêbado
2021

 





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