04 agosto 2021

louis aragon / ar do tempo

 
 
Nuvem
Ergue-se um cavalo branco
E é madrugada na estalagem onde despertará o
                                       rimeiro que aparecer
Vais andar a vadiar no meio da gente a vida inteira
Semi-morto
Semi-adormecido
Não estás farto dos lugares comuns
As pessoas olham-te sem se rirem
Têm olhos de vidro
E tu passas
Perdes o teu tempo
Passas
Contas até cem e fazes batota para matar mais dez segundos
Estendes bruscamente o braço para morrer
Não tenhas medo
Mais tarde ou mais cedo
Só haverá mais um dia e a seguir um dia
E depois pronto
Nunca mais será preciso ver os homens nem esses abençoados
                         bichinhos que eles afagam de quando em vez
Nunca mais será preciso falar sozinho durante a noite
                          para não ouvir o lamento da lareira
Nunca mais será preciso abrir as minhas pálpebras
Nem lançar o meu sangue como um disco
Nem respirar sem ter vontade disso
Contudo não desejo morrer
O sino do meu coração canta em voz baixa uma
                            uma esperança muito antiga
Esta música
Bem sei
Mas a letra da canção
Que dizia a letra ao certo
Imbecil
 
 
 
louis aragon
sonhador definitivo e perpétua insónia
uma antologia de poemas
surrealistas escritos em língua francesa
trad. regina guimarães
contracapa
2021
 





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