04 maio 2021

sophia de mello breyner andresen / sequência

 
 
I
 
Como esquecida voz de um amor muito antigo
Desgarram-se no ar as pancadas de um sino
A casa onde moro não fica rente às águas da laguna
Mas a parede é branca e vê-se o rio
E embora hydras e fúrias nos desfiem
A diversidade de coisas como Ponge diz
Não constrói
 
 
II
 
A dicção não implica estar alegre ou triste
Mas tomar em minha voz a veemência das coisas
Fazer do mundo exterior substância da minha mente
Semelhante ao que devora o coração do leão
 
Vê o que viste
Atenta para a caçada no quarto penumbroso
 
 
III
 
Mimesis
E vós Musas filhas da memória
De leves passos no cimo do Parnaso
Suave a brisa a fonte impetuosa
– Princípio fundamento rosto-início
Espelho para sempre os olhos verdes
As longas mãos as azuladas veias
 
1989
  
 
 
sophia de mello breyner andresen
as escadas não têm degraus 3
livros cotovia
março 1990





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