07 dezembro 2020

nuno júdice / carta aos que ficam

 
 
As sensações destruídas restauram as fronteiras
do Corpo. Num largo interstício de tempo
a consciência cria o ócio e o seu reverso. Talvez
um faro animal sugerisse um trabalho diferente
sobre as estrofes e as palavras. No entanto,
os que ficam (e sobrevivem) ocupar-se-ão de tudo.
Eles não sofrem o estrangulamento húmido
da manhã.
 
Penso nas faculdades d a analogia, nos defeitos
Que separam a compreensão da vontade. (Seja
– demasiado abstracto. É assim o poema. Nada
De precipitações materiais, nem de tacto,
nem dos outros quatro sentidos. O acaso burguês
do silêncio não passa aqui de uma terrível
coincidência, de uma vertigem no interior
dos códigos.)
 
A transformação do Ser é um instante de repouso.
 
 
nuno júdice
o mecanismo romântico da fragmentação
editorial inova
1975

 




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