Pensa
nisto: quando te oferecem um relógio oferecem-te um pequeno inferno florido,
uma prisão de rosas, um calabouço de ar. Não te dão somente o relógio, muitos
parabéns, que te dure muitos e bons, é uma óptima marca, suíço com não sei
quantos rubis; não te oferecem somente esse pequeno pedreiro que prenderás ao
pulso e passearás contigo. Oferecem-te – ignoram-no, é terrível ignorá-lo – um
novo bocado frágil e precário de ti mesmo, algo que é teu mas não é o teu
corpo, que tens de prender ao teu corpo com uma correia como um bracito desesperado
pendente do pulso. Oferecem-te a necessidade de lhe dar corda todos os dias, a
obrigação de dar corda para que continue a ser um relógio; oferecem-te a
obsessão de ver as horas certas nas montras das joalharias, o sinal horário na
rádio, o serviço telefónico. Oferecem-te o medo de o perder, de seres roubado,
de que caia no chão e se parta. Oferecem-te uma marca, a convicção que é uma
marca superior às outras, oferecem-te a tentação de comparares o teu com os
outros relógios. Não te oferecem um relógio, és tu o oferecido, a ti oferecem para
o nascimento do relógio.
julio
cortázar
histórias de
cronópios e de famas
manual de
instruções
tradução de alfacinha da silva
editorial estampa
1973
Espero que a noite de consoada tenha sido passada com saúde, amor, se possível com a família, e/ou amizades de coração, e que se prolongue por este dia de Natal.
ResponderEliminarCumprimentos poéticos.