31 dezembro 2020

andre breton / de pedra e cal

 
 
                                                                                             A Paul Eluard
 
 
 
Liberdade cor de homem
Que bocas voarão em estilhas
Telhas
Sob o impulso desta vegetação monstruosa
 
O sol cão poente
Abandona a escadaria dum rico palacete
 
Lento peito arroxeado onde pulsa o coração do tempo
 
Uma jovem nua nos braços dum bailarino belo e couraçado como São Jorge
Mas isto é muito mais tarde
Fracos Atlantes
 
 
Rio de estrelas
Que levas os sinais de pontuação do meu poema e dos poemas dos meus amigos
Nunca se deve esquecer que tu e esta liberdade vos tirei à sorte
Vos ganhei para só tu
Chegares deslizando por uma corda de orvalho
 
Este explorador em luta com as formigas vermelhas do seu próprio sangue
 
É até ao fim o mesmo mês do ano
Perspectiva que permite avaliar se estamos ou não a lidar com almas
19… Um tenente de artilharia confia-se a um rastilho de pólvora
 

                                                            *
 
Assim como o primeiro a chegar
Debruçado sobre a oval do desejo interior
Enumera estas noites seguindo o pirilampo
Conforme estenderes a mão para fazer a árvore ou antes de fazer o amor
 
Como toda a gente sabe
 
No outro mundo que nunca há-de existir
Vejo-te branco e elegante
Os cabelos das mulheres cheiram a folha de acanto
Ó vidros sobrepostos do pensamento
Na terra de vidro movem-se esqueletos de vidro
 

                                                           *
 
Toda a gente ouviu falar da Jangada da Medusa
E pode em rigor conceber um equivalente dessa jangada no céu
 
 
 
 
 
 
andre breton
claire de terre (1923)
poemas
trad. de ernesto sampaio
assírio & alvim
1994




 

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