19 março 2020

vasco graça moura / do tempo que passa



nós que vivemos graves junto da madeira
velha de nossas casas mastigando
alguns talos de couve mal cozida
e pano de lençol com dentes já usados

nós que transcrevemos as manchas e rasgamos
rascunhos muito antigos e alguns novos projectos
recuperando móveis e faianças
e todas as maçãs onde habitámos

nós que temos cimento ferramentas greves
e um pouco de corelli e um sistema
respiratório e caracteres de imprensa
e um plano geral de arruamentos

e que temos livros e que estamos vivos
podemos construir alguma coisa




vasco graça moura
noite
poesia 1963/1995
quetzal editores
2007






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