01 março 2020

rui costa / diálogo



Não acredites: as pessoas que te falam em diálogo
querem o teu mal. Dizem que a compreensão deve
ser «cultivada» - e esperam bem sentados que te estateles ao
                                                                               comprido
na frente de uma esplanadazinha com vista para o tédio.

(Afasta de ti esse cálice!)
Eles querem o teu sangue mas depois não sabem o que fazer com
                                                                                            ele,
não fazem nada com ele,
não o bebem, não o vendem, não o poluem com o teu
olhar desvairado ante o corpo aberto dela, do seu nexo tão
carente de ti.

Que a planta tem que ser regada para crescer, ah por favor –
não compres asas novas para a eterna toupeira.
A coisa verde estende as mãos para alcançar a água –
e depois cresce para o sol, incha,
porque ela usa-o e é usada por ele, e usar e ser usado é que é
o meu desejo cheio, a amizade toda e – foi assim connosco mas
                                                                                 já não é –
a  essência do amor (essa magra celulite que tu deves alcançar pelo
                                                                                           diálogo
na demonstração diária do respeito mútuo e sabiamente partilhado!)

Ainda pensas que te darei uma definição do amor?

Dou-te apenas o que não pode ser aceite:
o meu ar luminoso e irascível!
– e nenhum deus invoco ou minimizo.

Faz o que quiseres, ou o que puderes, com o que eu te dou.
É para isso, é por isso que (o café está bom)
(e) eu gosto de ti.


rui costa
à solta no ringue
mike tyson para principiantes
antologia poética
assírio & alvim
2017




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