22 dezembro 2019

fernando pinto do amaral / sete degraus para a escada de jacob



1.

Saber recomeçar, fugir de novo
outra vez indefeso, vagueando
pelos mesmos lugares, como se neles
houvesse mais que o mundo, uma alegria
imediata, ardendo, ao abandono,
entre casas e ruas vazias. Para quê
voltar a tudo isso? Em cada árvore
ondeia o vento, e o barco dos meus passos
navega sem razão por outros mares.
Há muitos sempres vivo, ainda preso
ao primeiro sabor: o céu de uns olhos
brilhou e vai chamando. Em pouco tempo
Se movem os destinos e eu quis
beber naquela imagem um só fogo,
uma nova ansiedade que deixasse
retida no meu peito a passageira
graça de mais sentidos no deserto
– só assim, afinal, acordaria.
Lava de sonhos, eis que sobe o amor
ou o que vai restar do seu enigma
tão dentro dessa chama-já-promessa:
horas de névoa em doces sobressaltos
rompendo o vão silêncio, desatando
indecifradas músicas? Não sei,
nenhum rosto é igual ao teu rosto, excessivo
gesto da luz, pensando em mim, algures
entre o que vem da noite e o que me abraça
na cega voz da vida, em ti, à espera.



fernando pinto do amaral
poesia reunida 1990-2000
dom quixote
2000




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