Príncipe: 
Era de noite quando eu bati à tua porta 
e na escuridão da tua casa tu vieste abrir 
e não me conheceste. 
Era de noite 
são mil e umas 
as noites em que bato à tua porta 
e tu vens abrir 
e não me reconheces 
porque eu jamais bato à tua porta. 
Contudo 
quando eu batia à tua porta 
e tu vieste abrir 
os teus olhos de repente 
viram-me 
pela primeira vez 
como sempre de cada vez é a primeira 
a derradeira 
instância do momento de eu surgir 
e tu veres-me. 
Era de noite quando eu bati à tua porta 
e tu vieste abrir 
e viste-me 
como um náufrago sussurrando qualquer coisa 
que ninguém compreendeu. 
Mas era de noite 
e por isso 
tu soubeste que era eu 
e vieste abrir-te 
na escuridão da tua casa. 
Ah era de noite 
e de súbito 
tudo era apenas lábios pálpebras 
intumescências cobrindo o corpo de flutuantes 
volteios de palpitações trémulas adejando 
pelo rosto beijava os teus olhos por dentro 
Beijava os teus olhos pensados 
beijava-te pensando 
e estendia a mão 
sobre o meu pensamento corria para ti 
minha praia jamais alcançada 
impossibilidade desejada 
de apenas poder pensar-te
São mil e umas 
as noites em que não bato à tua porta 
e vens abrir-me 
ana hatherly
poesia
1958-1978
moraes editores
1980
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