17 outubro 2018

virgínia woolf / shakespeare




1930
Domingo, 13 de Abril

Li Shakespeare imediatamente após ter acabado de escrever, quando a minha mente está boquiaberta, ao rubro e fogosa. Então é assombroso. Nunca tinha percebido ainda quão surpreendente é o seu alcance, velocidade e capacidade de cunhar palavras, até sentir como me deixa completamente para trás e vence a minha, parecendo começar a par, e depois vejo-o adiantar-se e fazer coisas que não poderia imaginar na minha mais desenfreada agitação e máxima pressão mental. Mesmo as menos conhecidas e piores das suas peças são escritas a uma velocidade que é mais rápida do que a mais rápida de qualquer outra pessoa; e as palavras derramam-se tão depressa que não nos é possível recolhê-las. Evidentemente a flexibilidade da sua mente era tão completa que ele podia polir qualquer sequência de pensamentos; e, ao relaxar, deixar cair uma chuva dessas flores desconsideradas, para quê, então, qualquer outra pessoa tentar escrever? Isto não é “escrever” de todo. De facto, podia dizer que Shakespeare supera completamente a literatura, que soubesse o que queria dizer.



virgínia woolf
diários
trad. de jorge vaz de carvalho
relógio d´água
2018









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