30 outubro 2018

paul éluard / no meu bonito bairro





Abrir as portas da noite. Um sonho que equivale a abrir as portas do mar. A torrente afogaria o temerário.

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Mas , para o lado do homem, as portas abrem-se de par em par. Corre o seu sangue como o seu pesar, e a sua coragem de viver apesar da miséria, contra a miséria, brilha no pavimento enlameado, engendrando prodígios.

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Não é maravilha nenhuma habitar entre Barbés e La Villette. Nunca me queixei. Para me aborrecer ia a outros lugares, e o meu desejo de outros lugares não tinha então limite. Teria eu realmente necessidade de me aborrecer? Teria eu realmente necessidade de partir para as ilhas com a secreta esperança de esperar aí, com paciência, a morte? Imaginei-o porque fechava os olhos sobre mim. A minha juventude causava-me algum medo.

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No meu bonito bairro, entre Barbés e La Villette, é honroso viver. E por toda a parte poderia a felicidade ter lugar. O único obstáculo é o tempo, o tempo de morrer. Antes da noite total, dentro da noite furtiva, poderemos ver, teremos o tempo de ver, de nos iluminarmos?

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No meu bonito bairro, há homens que adquirem sem cessar o direito a tratar da sua vida – e não o fazem, o direito a serem belos – e, quando se olham ao espelho, encolhem os ombros – o direito a punir e a perdoar, o direito a repousar, a amar e ser amado, porque o mereceram. Sabem que as suas ruas não são becos sem saída e estendem desesperadamente a mão para se unirem a todos os seus semelhantes.

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No meu bonito bairro, a resistência é o amor, é a vida. A mulher, a criança, são tesoiros. E o destino é um vagabundo a quem serão queimados, à luz do dia, os andrajos, os bichos e a estupidez rapace.



paul éluard
poemas políticos
trad. carlos grifo
editorial presença
1971







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