11 junho 2018

joaquim manuel magalhães / abri o cancelo e cheguei à eira




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abri o cancelo e cheguei à eira
cansado dos sendeiros e da chuva
não te vi, nem ao fumo antigo
com cheiros da comida e da resina.
As vigas de madeira dos arrumos
cobertas de parreiras não ouviam
os bois a chiar por pedregulhos.
Pilares de granito cobriam-se de musgo.

Subi para o terraço do quinteiro.
O rio azul-de-pedra ardia dentre as grades.
Sentei-me na manta de farrapos
a lembrar. Os anos findos, o pão
suspenso no galheiro que roubávamos
antes de jantar, lá se ia o apetite.
Com as mãos molhadas de serrim
ríamo-nos, corriam pombos por ervas queimadas.

Eram lugares miseráveis. Mas ouvia-se,
tão perto, um riacho a correr.
Tábuas que nos pregam o coração.


joaquim manuel magalhães
segredos, sebes, aluviões
editorial presença
1985







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