28 abril 2018

al berto / salsugem




4
às vezes… quando acordava
era porque tínhamos chegado

ficava a bordo encostado às amuradas
horas a fio
espiava a cidade as colinas inclinando-se
para a noite lodosa do rio
e o balouçar do barco enchia-me de melancolia

a noite trazia-me aragens com cheiro a corpos suados
cantares e danças em redor de fogos que eu não sabia
o ruído dos becos a luz fosca dum bar
se descesse a terra encontrar-te-ia… tinha a certeza
para o voo frenético do sexo
e num suspiro talvez alagássemos os umbrais da noite
mas ficava preso ao navio… hipnotizado
com o coração em desordem
os dedos explorando nervosos as ranhuras da madeira
os pregos ferrugentos as cordas

as luzes do cais revelavam-me corpos fugidios
penumbras donde se escapavam ditos obscenos
gemidos agudos sibilantes risos que despertavam em mim
a vontade sempre urgente de partir




al berto
salsugem
o medo
assírio & alvim
1997






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