17 dezembro 2017

bernardo soares / máximas




Ter opiniões definidas e certas, instintos, paixões e carácter fixo e conhecido — tudo isto monta ao horror de tornar a nossa alma um facto, de a materializar e tornar exterior. Viver é um doce e fluido estado de desconhecimento das coisas e de si próprio (e o único modo de vida que a um sábio convém e aquece).

Saber interpor-se constantemente entre si próprio e as coisas é o mais alto grau de sabedoria e prudência.

A nossa personalidade deve ser indevassável, mesmo por nós próprios: daí o nosso dever de sonharmos sempre, e incluirmo-nos nos nossos sonhos, para que nos não seja possível ter opiniões a nosso respeito.

E especialmente devemos evitar a invasão da nossa personalidade pelos outros. Todo o interesse alheio por nós é uma indelicadeza ímpar. O que desloca a vulgar saudação — como está? — de ser uma indesculpável grosseria e o ser ela em geral absolutamente vã e insincera.
Amar é cansar-se de estar só: é uma cobardia portanto, e uma traição a nós próprios (importa soberanamente que não amemos).

Dar bons conselhos é insultar a faculdade de errar que Deus deu aos outros. E, de mais a mais, os actos alheios devem ter a vantagem de não serem também nossos. Apenas é compreensível que se peça conselhos aos outros — para saber bem, ao agir ao contrário, quem somos bem nós, bem em desacordo com a Outragem.

s.d.

fernando pessoa
livro do desassossego por bernardo soares. vol.II
ática
1982





1 comentário:

  1. Oh como concordo com Bernardo Soares! Dar conselhos?! Uma arrogância!

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