Ter opiniões definidas e certas, instintos, paixões
e carácter fixo e conhecido — tudo isto monta ao horror de tornar a nossa alma
um facto, de a materializar e tornar exterior. Viver é um doce e fluido estado
de desconhecimento das coisas e de si próprio (e o único modo de vida que a um
sábio convém e aquece).
Saber interpor-se constantemente entre si próprio e
as coisas é o mais alto grau de sabedoria e prudência.
A nossa personalidade deve ser indevassável, mesmo
por nós próprios: daí o nosso dever de sonharmos sempre, e incluirmo-nos nos
nossos sonhos, para que nos não seja possível ter opiniões a nosso respeito.
E especialmente devemos evitar a invasão da nossa
personalidade pelos outros. Todo o interesse alheio por nós é uma indelicadeza
ímpar. O que desloca a vulgar saudação — como está? — de ser uma indesculpável
grosseria e o ser ela em geral absolutamente vã e insincera.
Amar é cansar-se de estar só: é uma cobardia
portanto, e uma traição a nós próprios (importa soberanamente que não amemos).
Dar bons conselhos é insultar a faculdade de errar
que Deus deu aos outros. E, de mais a mais, os actos alheios devem ter a
vantagem de não serem também nossos. Apenas é compreensível que se peça
conselhos aos outros — para saber bem, ao agir ao contrário, quem somos bem
nós, bem em desacordo com a Outragem.
s.d.
fernando
pessoa
livro do
desassossego por bernardo soares. vol.II
ática
1982
Oh como concordo com Bernardo Soares! Dar conselhos?! Uma arrogância!
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