08 novembro 2017

jacques brel / a canção dos velhos amantes




Sem dúvida entre nós houve tormentas
Vinte anos de amor é o amor louco
Mil vezes fizeste as malas
Mil vezes levantei voo
E neste quarto sem berço
Não há móvel que não se lembre
Do roncar das nossas tempestades
Já nada era como antes
Tinhas perdido o gosto pela água
E eu o gosto pela conquista

                Meu amor
                Meu meigo meu terno meu maravilhoso amor
                Da madrugada clara até ao fim do dia
                Amo-te ainda sabes amo-te

Eu sei todos os teus sortilégios
Tu sabes todos os meus encantamentos
Foste-me prendendo de cilada em cilada
Fui-te largando de vez em quando
Sem dúvida tiveste alguns amantes
Havia que passar o tempo
Havia que gozar o corpo
E finalmente finalmente
Muito talento nos foi preciso
Para sermos velhos sem sermos adultos

                Meu amor
                Meu meigo meu terno meu maravilhoso amor
                Da madrugada clara até ao fim do dia
                Amo-te ainda sabes amo-te

E do tempo o maior cortejo
Maior tormento nos faz
Mas não será viver em paz
A pior das ciladas para os amantes
Sem dúvida choras um pouco menos cedo
Eu despedaço-me um pouco mais tarde
Protegemos menos os nossos mistérios
Damos menos azo ao acaso
Desconfiamos das águas mansas
Mas a doce guerra não tem fim


                Meu amor
                Meu meigo meu terno meu maravilhoso amor
                Da madrugada clara até ao fim do dia
                Amo-te ainda sabes amo-te






jacques brel
antologia poética
trad. eduardo maia
assírio & alvim
1997








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