07 fevereiro 2017

silvia ugidos / traçado urbanístico


Tal como qualquer cidade
também nós escondemos
turvos itinerários, edifícios arruinados,
escuras vielas de rancor ou desejo,
arrabaldes de medo ou parques para o amor,
cantos em penumbra onde ocultar segredos,
praças que nunca visitamos
e aborrecidos museus onde expor lembranças
que não interessam a ninguém.
A nós
também nos habitam cidadãos terríveis:
funcionários do tédio,
mensageiros de moto levando para muito longe
o pequeno embrulho – primoroso e com laço –
dos remorsos.
Viajantes que passam por nós
com as suas malas a caminho de outros corpos
e sobretudo
transeuntes alheios a nossa própria vontade,
incivis e teimosos;
têm nomes ridículos
tal como os sentimentos amor, rancor ou medo
e especulam – como vulgares comerciantes –
com o preço
por metro quadrado do nosso coração.


silvia ugidos
poesia espanhola anos 90
trad. joaquim manuel magalhães
relógio d´água
2000



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