27 novembro 2016

josé de almada negreiros / luis, o poeta salva a nado o poema



Era uma vez
um português
de Portugal.

O nome Luís
há-de bastar
toda a nação
ouviu falar.

Estala a guerra
e Portugal
chama Luís
para embarcar.

Na guerra andou
a guerrear
e perde um olho
por Portugal.

Livre da morte
pôs-se a contar
o que sabia
de Portugal.

Dias e dias
grande pensar
juntou Luís
a recordar.
Ficou um livro
ao terminar.

muito importante
para estudar:
Ia num barco
ia no mar
e a tormenta
vá d'estalar.

Mais do que a vida
há-de guardar
o barco a pique
Luís a nadar.

Fora da água
um braço no ar
na mão o livro
há-de salvar.

Nada que nada
sempre a nadar
livro perdido
no alto mar.

Mar ignorante
que queres roubar?
A minha vida
ou este cantar?
A vida é minha
ta posso dar
mas este livro
há-de ficar.

Estas palavras
hão-de durar
por minha vida
quero jurar.
Tira-me as forças
podes matar
a minha alma
sabe voar.

Sou português
de Portugal
depois de morto
não vou mudar.

Sou português
de Portugal
acaba a vida
e sigo igual.

Meu corpo é Terra
de Portugal
e morto é ilha
no alto mar.

Há portugueses
a navegar
por sobre as ondas
me hão-de achar.

A vida morta
aqui a boiar
mas não o livro
se há-de molhar.

Estas palavras
vão alegrar
a minha gente
de um só pensar.

À nossa terra
irão parar
lá toda a gente
há-de gostar.

Só uma coisa
vão olvidar
o seu autor
aqui a nadar.

É fado nosso
é nacional
não há portugueses
há Portugal.

Saudades tenho
mil e sem par
saudade é vida
sem se lograr.

A minha vida
vai acabar
mas estes versos
hão-de gravar.

O livro é este
é este o canto
assim se pensa
em Portugal.

Depois de pronto
faltava dar
a minha vida
para o salvar.



josé de almada negreiros
poesia
estampa
1971



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