04 maio 2016

saint-john perse / anabase



I

     Estabelecendo-me com honra sobre três grandes estações, auguro bem do solo onde fundei minha lei.
     As armas na manhã são belas e o mar. e o sol não é sequer nomeado, mas o seu poder está entre nós
     e o mar na manhã como uma conjectura do espírito.

     Poder, tu cantavas nas nossas estradas nocturnas!... Nos idos puros da manhã que sabemos nós do sonho, nossa procedência?
     Por mais um ano entre vós! Senhor do grão, senhor do sal, e a coisa pública sobre justas balanças!
     Nunca chamarei por gentes doutra margem. Não traçarei nunca grandes
     bairros urbanos pelas encostas com o açúcar dos corais. Mas tenciono viver entre vós
     No limiar das tendas inteira glória! a minha força entre vós! e a ideia pura como um sal faz-se pública em pleno dia.

*

     … Pois eu frequentava a cidade dos vossos sonhos e decidia nos mercados desertos este puro comércio da minha alma, entre vós
     invisível e constante como lume de espinhos em pleno vento.
     Poder, tu cantavas nas nossas esplêndidas estradas!... «No deleite do sal estão as lanças do espírito… Com sal avivarei as bocas mortas de desejo!
     «Quem não louvou a sede bebendo por um casco a água das areias,
     «pouco crédito me merece no comércio da alma…» (E o sol não é sequer nomeado mas o seu poder está entre nós.)

     Homens, gente de poeira e de qualquer figura, gente de negócio e de lazer, gente vizinha e gente distante, ó gente de pouco peso na memória destes lugares; gente dos vales e dos planaltos e dos mais altos declives deste mundo ao expirar de nossas margens; farejam indícios, sementes e confessam desalentos a oeste; seguem pistas, estações, erguem tendas no vento leve da aurora; ó prospectores de pontos d´água na crosta do mundo; ó prospectores, ó inventores de razões para partir,
     não traficais um sal mais forte quando, pela manhã, num presságio de reinos e de águas mortas suspensas do alto sobre as brumas do mundo, os tambores do exílio despertam pelas fronteiras
     a eternidade que boceja sobre as areias.

*

     … De manto puro entre vós. por mais um ano ainda entre vós. «Por sobre os mares a minha glória; entre vós a minha força!
     Aos nossos destinos prometido este alento doutras margens e, levando mais longe as sementes do tempo, o clamor dum século sobre o seu cume no fiel das balanças…»
     Matemáticas suspensas nos bancos gelados do sal! No ponto sensível do um rosto onde o poema se estabelece, inscrevo este canto de todo um povo, o mais ébrio,
     tirando aos nossos estaleiros quilhas mortais!


saint-john perse
anabase
trad. josé daniel ribeiro
relógio d´água
1992




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