05 novembro 2015

italo calvino / já não há cidades de província


Escusado será dizer que já não há cidades de província e que talvez até nunca tenha havido: todos os lugares comunicam instantaneamente, só se tem uma sensação de isolamento durante o trajecto de um lugar para outro, isto é quando não se está em lugar nenhum. Eu, justamente, encontro-me aqui sem ter um aqui nem um algures, reconhecível como um estranho pelos não estranhos pelo menos como os não estranhos são por mim reconhecidos e invejados. Sim, invejados. Observo de fora a vida de uma noite numa pequena cidade qualquer, e percebo que fui posto fora de todas as noites quaisquer durante sabe-se lá quanto tempo, e penso em milhares de cidades como esta, em centenas de milhares de locais iluminados onde a esta hora as pessoas deixam que tombe o escuro da noite, e não lhes passa pela cabeça nenhum dos pensamentos que tenho eu, se calhar têm outros que não são de maneira nenhuma invejáveis, mas neste momento estaria pronto a fazer a troca com qualquer uma delas.


italo calvino
se numa noite de inverno um viajante
trad. josé colaço barreiros
publico
2002




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