07 outubro 2015

antónio pedro / narciso

  
                Não me crio nem me invento, aceito-me como sou na minha humanidade… e com nervos, com músculos, com as voltas do cérebro para imaginar e as voltas dos intestinos para a vida, dentro das voltas da vida, não como se andasse sozinho, mas torto e acompanhado, triste e com a pele alegre de olhar os outros e de sentir o vento através da camisa e sobre as pálpebras fechadas, como nas tardes de moleza em braços de mulher.
                Faço dos meus joelhos escada para os meus ossos, e em tudo de cima é que ponho a minha carne cheia de cerebrosinhos à flor da pele, tal como nasci.
              Por isso, Narciso pelos meus dedos, sinto-me a vida que tinha de viver, e gosto dos meus olhos – segredos duma alcova aonde me possuo.

quási canções
1932



antónio pedro
antologia poética
obras clássicas da literatura portuguesa séc. xx
edição de fernando matos oliveira
angelus novus, editora
1998




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