Lancei ao mar um madeiro, 
espetei-lhe um pau e um lençol. 
Com palpite marinheiro 
medi a altura do Sol.
Deu-me o vento de feição, 
levou-me ao cabo do mundo, 
pelote de vagabundo, 
rebotalho de gibão.
Dormi no dorso das vagas, 
pasmei na orla das praias, 
arreneguei, roguei pragas, 
mordi peloiros e zagaias.
Chamusquei o pêlo hirsuto, 
tive o corpo em chagas vivas, 
estalaram-me as gengivas, 
apodreci de escorbuto.
Com a mão esquerda benzi-me, 
Com a direita esganei. 
Mil vezes no chão, bati-me, 
outras mil me levantei.
Meu riso de dentes podres 
ecoou nas sete partidas. 
Fundei cidades e vidas, 
rompi as arcas e os odres.
Tremi no escuro da selva, 
alambique de suores. 
Estendi na areia e na relva 
mulheres de todas as cores.
Moldei as chaves do mundo 
a que outros chamaram seu, 
mas quem mergulhou no fundo 
do sonho, esse, fui eu.
O meu sabor é diferente. 
Provo-me e saibo-me a sal. 
Não se nasce impunemente 
nas praias de Portugal.
antónio gedeão
Sem comentários:
Enviar um comentário