18 junho 2015

walt whitman / ouvi de que falavam aqueles que falavam


III
Ouvi de que falavam aqueles que falavam, ouvi o que diziam acerca do princípio
          e do fim,
Mas eu não falo do princípio nem do fim.

Nunca houve mais princípio do que agora,
Nem mais juventude ou velhice do que agora,
E nunca haverá mais perfeição do que agora,
Nem mais Céu ou Inferno do que agora.

Ímpeto, ímpeto, ímpeto,
Sempre o ímpeto criador do mundo.

Das trevas avançam os opostos iguais, sempre a matéria e o incremento, o sexo
          sempre,
Sempre a malha da identidade, sempre a diferença, sempre a progenitura da vida.

É inútil pormenorizar, os cultos e os incultos sabem que assim é.

Mais do que certo, de pé firme, muito firme, entalhado nas vigas,
Possante como um cavalo, afectuoso, altivo, eléctrico,
Aqui estamos, eu e este mistério.

Clara e suave é a minha alma, claro e suave tudo o que não é a minha alma.

Faltando um, faltam ambos, e o visível é prova do invisível,
Até que se torne invisível e por sua vez provado.

Mostrando o melhor e separando-o, a idade afronta a idade,
Conhecendo a perfeita adequação e a justiça das coisas, enquanto discutem fico
          em silêncio, vou tomar banho e comtemplar-me.

Bem-vindos são todos os meus órgãos e atributos, e os de cada homem puro
          e são,
neles não há nada de vil, e nenhum deve ser menos familiar que o outro.

Estou satisfeito ─ vejo, danço, rio, canto;
Enquanto o meu amado companheiro de leito dorme abraçado a mim pela
noite fora, e furtivamente parte ao romper do dia,
Deixando-me cestos cobertos com toalhas brancas que enchem toda a casa,
Deverei adiar a minha aceitação, a minha realização, deverei gritar aos meus
          olhos,
Que deixem de olhar o caminho,
E de imediato decifrem e me revelem até ao pormenor,
O valor exacto de um e o valor exacto de dois, e qual vale mais?




walt whitman
canto de mim mesmo
trad. josé agostinho baptista
assírio & alvim
1999







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