Recordamo-nos dos nossos sonhos: 
não nos recordamos dos nossos sonos. 
Apenas duas vezes penetrei nesses fundos 
atravessados por correntes 
onde os nossos sonhos 
não são mais do que embarcações 
de realidades submersas. 
No outro dia,
bêbado de felicidade 
como se fica bêbado de ar 
no final de uma longa corrida, 
atirei-me para a cama, 
como um nadador 
que se atira de costas, 
os braços cruzados: 
mergulhei num mar azul. 
Encostado ao abismo 
como uma nadadora que nada com prancha, 
sustentada pela bóia de oxigénio 
dos meus pulmões cheios de ar, 
emergia desse mar grego 
como uma ilha recém-nascida. 
Esta noite, 
bêbada de desgosto, 
deixo-me cair sobre a cama 
com os gestos de uma afogada 
que se abandona: 
cedo ao sono como à asfixia. 
As correntes de recordações persistem 
através do embrutecimento nocturno, 
levam-me para uma espécie de lago Asfáltico. 
Não há forma 
de mergulhar nessa água saturada de sais, 
amarga como a secreção das pálpebras. 
Flutuo como a múmia sobre o seu betume, 
na apreensão de um acordar 
que será no máximo uma sobrevivência. 
O fluxo, 
depois o refluxo do sono 
fazem-me rebolar contra minha vontade 
nessa praia de cambraia. 
A cada momento, 
os meus joelhos batem um no outro 
à tua lembrança. 
O frio acorda-me,
como se me tivesse deitado
ao lado de um morto.
marguerite yourcenar
fogos
trad. de maria da graça morais sarmento
difel
1995
Boa tarde.Que lindo sonho escrevestes.Parabéns.Um ótimo fim de semana.
ResponderEliminarAbraço.