22 junho 2015

blaise cendrars / nesse tempo estava eu na adolescência


(1)

Nesse tempo estava eu na adolescência
Tinha apenas dezasseis anos e já não me lembrava
     da minha infância
Estava a 16.000 léguas da terra onde nascera
Estava em Moscovo, na cidade dos mil e três
     campanários e das sete estações de caminho
     de ferro
Mas não estava farto das sete estações
     e das mil e três torres
Porque a minha adolescência era tão ardente
     e tão louca
Que o meu coração ardia, alternadamente, como
     o templo de Éfeso ou a Praça Vermelha
     de Moscovo
Quando o sol se põe.
E os meus olhos iluminavam caminhos antigos.
E era já tão mau poeta
Que não sabia ir até ao fim.

O Kremlin era como um imenso bolo tártaro
Coberto de ouro,
Com as grandes amêndoas das catedrais muito
     brancas
E o ouro meloso dos sinos…
Um velho monge lia-me a velha lenda de Novgorode
Eu tinha sede
E decifrava caracteres cuneiformes
Depois, subitamente, os pombos do Espírito-Santo
     levantavam voo na praça
E as minhas mãos voavam também, com sussurros
     de albatroz
Eram as últimas reminiscências do último dia
Da última viagem
E do mar.

(…)


blaise cendrars
prosa do transiberiano e da joaninha de frança
poesia em viagem
trad. liberto cruz
assírio & alvim
1974



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