24 março 2015

herberto helder / (23-11-1930 /23-03-2015)

          



          Demão

  
          Retorna à escuridão
          o rosto: entre centelhas, ficasse tão maduro quando
          de te tragar
          estremecesses, que o animassem
          os elementos: um interior: um limite do mundo,
          e se afinasse como um galho de marfim
          cheio de lume, que fosse um instrumento
          de crescer na terra: um golpe
          nela, abraço
          com a mão coroada,
          até à bolsa com a lua dentro,
          no ovo está o astro, se pelos dedos
          nesse rosto
          te plantasses todo na riqueza do sono,
          soldado a nervos: osso, feixe de fibras
          tímpanos, e as faíscas saltando pelas unhas
          as deixassem ígneas,
          e a veia arpoasse igneamente a massa
          muscular, ou
          a aorta sorvesse a matéria
          tremenda
          ao seu abismo, e te encharcasse até ás pálpebras
          essa púrpura por válvulas
          contra os dentes. nos fundamentos há
          vezes
          em que és ligeiro ao movimento da água,
          ou nas paredes onde os canos se cruzam
          como um corpo onde se cruzam órgãos
          tubos, um alento das coisas: dos tecidos
          do mundo, e por exemplo se a louça e o inox
          brilhados de dentro: à mesa
          e a madeira respira mais rápida
          e uma grande massa orgânica magnifica
          cercada de membros
          como um homem
          essas  pinças na cabeça entre as meninges
          extraindo uma estrela,
          os canais luminosos da cabeça
          iluminam-te todo, iluminas-te
          quando se arranca a língua e há um soluço da fala,
          levantas-te soberbamente
          ao rosto, como a vara
          do vedor fica acesa
          pelas ramas de água, como que salga
          o aparelho do corpo
          e o torna substância
          alta giratória ou se fulgura a trama
          cristalográfica
          terrifica da musica se levanta
          entre os dedos e cordas
          fundido de sangue e ar no escuro:
          música
          o medo do poder, esta ferida
          tão de um nó de músculos estrangulando
          uma leveza
          o barro violento, a manobra
          das vozes. Fechas os olhos e as
          coisas não te vêem,
          as mãos brilham-te abertas.
  


          herberto helder





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