19 dezembro 2014

luis buñuel / redentora



Encontrava-me no jardim de um convento.
Um monge de S. Benito,
que levava sujeito a uma corrente um grande mastim vermelho,
contemplava-me com curiosidade, desde um claustro próximo.
Senti que o frade intentava lançar a fera contra mim,
pelo que, cheio de temor,
pus-me a dançar sobre a neve.

Suavemente, no princípio.
Depois,  jà que o ódio crescia nos olhos do meu espectador,
dancei furiosamente,
como um doido, como um possesso.

O sangue afluía-me à cabeça,
toldando-me os olhos vermelhos,
um vermelho semelhante ao do mastim.

O frade desapareceu e a neve fundiu-se.
O carniceiro vermelho desvanecera-se num imenso campo de papoilas.
Entre os trigais, na luz primaveril,
vinha agora a minha irmã, vestida de branco,
e trazendo-me nas mãos erguidas uma pomba de amor.

Era meio-dia em ponto,
a hora em que todos os sacerdotes da terra erguem a hóstia
sobre as searas.


Recebi minha irmã com os braços em cruz,
plenamente liberto
no meio de um silêncio augusto e branco de hóstia.



luis buñuel
poemas
trad. de mário cesariny
arcadia
1977




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