06 novembro 2014

jaime rocha / zona de caça


17.

Não se sabia se eram anjos, os rapazes, se tinham
vindo do círculo dos infernos ou se nasceram ali
mesmo no meio das mulheres, sozinhos, como
brinquedos domésticos. Nem se a mulher havia
sido desfigurada por um corvo, competia ao
guerreiro julgar essas imagens logo que o cavalo
o transportasse por entre as árvores vestido de
cromados. Foi num desses dias de Junho, numa
paisagem em que um pastor de cabras varava
uma ribeira quase seca, que o cavaleiro saiu de
dentro de uma pintura levando consigo a mulher.
Tudo se passara inesperadamente, com os pássaros
agitados, aos gritos. Uma grande língua de cobra
tapara o quadro do pintor onde eles existiam e
lançara-os contra uma casa no meio da plantação.
Houve quem dissesse que era um pintor das águas,
lá no Bósforo, onde os cavalos são saudados pelos
peixes. Toda a gente sabia que ele dava vida às
cores e ressuscitava os mortos.

  


jaime rocha
zona de caça
relógio d´água
2002




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