06 maio 2014

vicente aleixandre / o moribundo


I

Palavras

Ele dizia palavras.
Quero dizer palavras, ainda palavras.
Esperança. O Amor. A Tristeza. Os Olhos.
E d´zia palavras,
enquanto a sua mão levemente débil sobre o lenço
                                                       [ainda vivia.
Palavras que foram alegres, foram tristes, foram
                                                           [elevadas.
Falava movendo os lábios, queria dizer aquele sinal;
o esquecido, esse que sabem dizer melhor dois
                                                                [lábios,
não, duas bocas que unidas em solidão pronunciam.
Mal dizia um sinal leve como um suspiro, dizia um
                                                             [respirar,
uma bolha; dizia um gemido e os lábios emudeciam,
enquanto as letras tingidas de um carmim em sua boca
muito débeis cintilavam, até cessar por fim.

Então alguém, não sei, alguém não humano,
alguém pôs uns lábios sobre os seus.
E ergueu uma boca onde ficou só o calor comunicado,
as letras tristes de um beijo nunca dito.




vicente aleixandre
antologia de vicente aleixandre
nascimento último (1927-1952)
tradução de José bento
editorial inova
1977



1 comentário:

  1. Poema intenso, que consegue fazer doer e acolher ao mesmo tempo. Foi importante lê-lo, muito importante.

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