12 janeiro 2014

antónio ramos rosa / uma pausa, não de plumas, mas elástica


              
                 1 
  
 Uma pausa, não de plumas, mas elástica, 
 que demorasse em si a paz ardente 
 e o ardor profundo de uma alta instância. 
 Que fosse o esquecimento na folhagem 
 e a espessa transparência da matéria. 
 O pulso pronunciaria a amplitude 
 do instante inocente. A obra acender-se-ia 
 na inteligência dos signos mais aéreos. 
  
                 2 
  
 A inadvertência pode ser um prelúdio carnal 
 na volúvel leitura de quem adormeceu. 
 O sono dá ao sangue o ócio e as cores do enxofre. 
 Por uma forma ausente a matéria ramifica-se 
 na insolência branda de umas ruínas perfeitas. 
 Um aroma rebenta da axila negra de um animal de vidro. 
 Como um veleiro de fogo uma cabeleira ondula. 
 A garganta do mar atira os seus pássaros de espuma. 
 Uma rapariga de pedra caminha entre os arbustos de fogo. 
 É a abundância da origem e o seu orvalho azul. 
 São as armas vegetais sobre as janelas da terra. 
 É a frescura do vidro nas cintilantes sílabas. 
  
                 3 
  
 Na justa monotonia do meio-dia 
 oiço o prodígio do repouso e a paixão adormecida. 
 O concêntrico sopro imobiliza-se. É uma lâmpada 
 de pedra fulgurante. Tudo é nítido mas ausente. 
 O mundo todo cabe no olvido e o olvido é transparência 
 de um denso torso que a nostalgia acende. 
 No silêncio sinto numa só cadência 
 a vociferação e o tumulto das pálpebras e dos astros. 
 Pelas veias o fogo da cal é branco e liso 
 e a mais remota substância culmina num rumor redondo. 



antónio ramos rosa
a rosa esquerda
1991




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