Falo-lhe um pouco de Camilia Meyer— 
mas queria também dizer quem foi Con Colléano, 
mexicano esplêndido e como dançava! — 
Era alemã, Camilia Meyer. 
Quando a vi talvez tivesse quarenta anos. 
Em Marselha armara o arame trinta metros acima da calçada, 
na entrada do Porto Velho. 
Era de noite. Projectores iluminavam o arame horizontal 
e a trinta metros de altura. 
Para lá chegar ela trepava um fio oblíquo com duzentos metros,
saído do chão. E a meio caminho da encosta, para descansar, 
pousava um joelho no arame com a vara-balancim 
atravessada na coxa. O seu filho (dezasseis anos, talvez) 
esperava-a numa pequena plataforma 
e levava ao meio do arame uma cadeira. Camillla Meyer, 
que vinha do lado oposto, chegava ao arame horizontal, 
agarrava na cadeira só assente no arame em duas pernas, 
e sentava-se. Sozinha. E também descia só... 
Em baixo, por baixo, as cabeças tinham-se inclinado todas, 
com as mãos a taparem os olhos. 
O público recusava assim uma delicadeza à acrobata: 
quando roçasse pela morte, o esforço de olhar para ela.
— E tu — diz-me ele — tu que fazias?
— Olhava. Para dar uma ajuda, fazer um cumprimento,
pois Camilla
conduzira às margens da noite a morte, 
para lhe fazer companhia na queda 
e na morte.
(...)
jean genet
o funâmbulo
trad. de aníbal fernandes
hiena editora
1984
Sem comentários:
Enviar um comentário