Cursei medicina, aprofundei a anatomia,
Especializei-me em fisiologia.
Depois, meu adorado organismo
Composto de devaneios de primavera, conheci-te.
Deslumbrou-se o meu encéfalo,
O meu sistema endócrino desregulou-se de todo.
Resultado: tu bem sabes:
apaixonei-me por ti, desmedidamente,
O que mostra perfeitamente a medida
Daquilo que me é impossível medir.
Só para teres uma ideia, a admirável pigmentação
Das tuas íris de tal modo contaminou as minhas,
Que durante cinco dias tudo, tudo em meu redor
Ganhou tons de pôr de sol outonal.
Um daltonismo esplêndido.
Entretanto o meu coração, órgão vital
Com as suas duas válvulas, os seus dois ventrículos
E as suas duas aurículas,
Passou a contrair e a distender os seus compartimentos
De maneira mirífica, mais intensa, mais exaltada.
Nunca este músculo me tangeu assim tão irrequieto.
Perplexo, decidi analisar o inesperado fenómeno.
Não muito tempo depois, esbarrei,
Espanto de fogueira, com uma estranheza anatómica:
Ao contrário do que a medicina me ensinou,
Revelaram-me as minhas examinações, pasmei,
Que possuo um órgão vital a mais. Não quis crer.
Decidi reexaminar. Tal-qualmente o mesmo resultado:
No interior da minha cavidade torácica,
Os meus mestres não iriam acreditar,
Com um outro coração me deparei : o teu.
O teu, o teu colorido coração, meu adorado
organismo composto de devaneios de primavera.
Nas minhas artérias e nas minhas veias
Circula também o teu sangue,
Líquido vermelho e viscoso que nutre
Esse extraordinário órgão
Segregante de espantosas e eufóricas auroras,
Tão vital para mim quanto
Os demais órgãos do corpo humano.
Falo obviamente do amor,
Um órgão totalmente alheio à medicina.
De acordo com o mencionado,
Mais o quadro clínico apresentado,
Atesto que sou portador
De uma prodigiosa síndrome,
Vendaval vivificante, confluência de encantamentos,
O que me confere uma capacidade permanecente
De manobrar o leme da burocracia das estrelas,
As rédeas do canto das aves, a alavanca das ambições das flores.
dinis moura
Permanecente?
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