1961-1999))
     1.
     Ao contrário de mim, sei que
sempre amaste 
     as fotografias, porque
sempre estiveste 
     próximo, jocosamente próximo
da morte. 
     E ela brincava contigo
através do brilho 
     das imagens.
                           No
preâmbulo do teu regresso, 
     que fazia eu? Estava em
Granada, 
     por puro acaso. Por puro
acaso visitara a casa de Lorca, 
     e os seus olhos tinham algo
de temível. 
     Era uma dessas fotografias
em que o poeta 
     sorri para a câmara
     segurando alegre um dos seus
sobrinhos. 
     Senti o rumor dilacerante
daqueles olhos, 
     como se se tratasse do eco
do teu nome 
     que o futuro se encarregaria
     de me devolver intacto.
                          
Rodeado de asséptica atenção, morrias devagar. 
     Cuidados intensivos. Que
expressão mais consonante
     com a única intimidade que
conheci de ti— 
     o que se expunha neste
lugar, neste purgatório 
     de máquinas e escalas
afinadas
     para a ténue linha da vida
que do teu corpo se escoava.
     2.
                           Já não
estamos no tempo. 
     E é aí que te encontro, 
     num lugar de pesadelo, num
lugar de fria, 
     metálica arquitectura.
                          
Pede-se a palavra,
     o único modo de recobrares
os sentidos, 
     a única esperança. Que te
dizer à beira deste cárcere de reservas 
     em que te encontras envolto?
     A palavra que te trará à
minha mesa, 
     onde assistiremos juntos
     ao desfilar do
indeterminado, 
     nós, os que sempre amámos 
     as clareiras
     onde o indeterminado começa
a cantar.
                           Os
olhos de Lorca atravessam longos corredores de
                                                                                         [aflição
     e invadem esta sala de
agonia. 
     Nada posso fazer. A não ser
perseguir
     ficções, as que nos têm
forçosamente de salvar. 
     Se assim não for, só nos
resta a sujeição à perda, ao desespero.
                           Oiço o
vento que se desprende 
     das árvores de São Tomé, as
que estão 
     nas fotografias que me
envias, 
     ou melhor, imagino as bruxas
que se metamorfoseiam 
     em pássaros
     apenas para habitarem os
postais que me envias.
     3.
                          
Sobrevivendo-te, talvez te tenha traído. 
     Terei sido eu aquele que te
conduziu pela mão 
     até ao lugar convulso
     onde para ler se implora luz
e se obtém silêncio? 
     Arredar-te-ia deste
silêncio.
                           Como
fazê-lo? Saberei trocar de ilha?
     Saberei merecer a ilha
difícil, a ilha das fantasiosas deserções 
     onde perscrutaremos por fim o mar?
     luís quintais
     lamento
       cotovia
       1999
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