26 maio 2013

o amor transido


  (Ode anacreôntica, XXXIII West)
   (Grécia, data desconhecida)



A noite passada,
à hora em que a Ursa
mais perto discursa
da mão do Boieiro;
e o sono profundo
no grémio fagueiro
por todo esse mundo
restaura os mortais,
em meio era a noite;
o exemplo dos mais
no leito eu seguia;
sereno dormia...
À porta imprevisto
Cupido me bate!
À pressa me visto;
redobra o rebate;
acudo a correr.
«Sou eu» — diz de fora —
«não tens que temer;
«sou um pequenino
«que vaga a tal hora,
«molhado e sem tino,
«perdido no escuro,
«pois lua não há!»
Ouvi-lo gemendo
de mágoa me corta;
a lâmpada acendo,
franqueio-lhe a porta…
em casa me está!
Descubro (em verdade
mentido não tinha)
gentil criancinha
com arco e carcás.
Remexo nas brasas
da minha lareira;
restauro a fogueira;
as mãos, que são gelo,
lhe aqueço nas minhas,
lhe espremo o cabelo,
lhe enxugo as asinhas;
já frio não faz.
«Vejamos se a chuva»
(dizia e sorria)
«a corda do arco
«me não danaria!»
Levanta-a do chão;
recurva-o, dispara
no meu coração.
A frecha que o vara
parece um tavão.
Eu, dores danadas,
e o doudo às risadas,
de gosto a pular!
«Meu caro hospedeiro»,
(me diz prazenteiro)
«agora é folgar.
«Permite me ausente;
«meu arco está são...
«Quem fica doente
«é teu coração!»



a rosa do mundo 2001 poemas para o futuro
tradução de a. f. castilho
assírio & alvim
2001


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